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baixapombalina - blog sobre as polí­ticas de intervenção na Baixa Pombalina

 

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segunda-feira, novembro 03, 2003

 

O MITO DAS ESTACAS E DOS NÍVEIS FREÁTICOS - intervenção esclarecida da “Lisboa Abandonada



O Engenheiro António Borja Araújo [Eng. Civil do IST] enviou a "baixapombalina" um mail com o título O MITO DAS ESTACAS E DOS NÍVEIS FREÁTICOS no qual fazia a indicação dum site onde, já em 25 de Fevereiro deste ano, alertava para esta polémica.
A "baixapombalina" concorda com os argumentos históricos e arqueológicos que apresenta; mais uma vez se prova o que já dissemos neste blog - as políticas de incúria e de abandono relativamente à BAIXA POMBALINA nas últimas décadas, constituíram um verdadeiro terramoto . Estaremos à altura de lhe tratar dos escombros?
Transcreve-se o mail recebido e um pequeno excerto da intervenção do Eng. A. Borja Araújo:

Caro blogger

O «www.lisboa-abandonada.net» já em tempo oportuno se tinha ocupado com a polémica das estacas e dos níveis freáticos; caso seja do seu interesse, pode consultar :


http://www.lisboa-abandonada.net/forum/read.php?f=1&i=536&t=536

Repare como, curiosamente, ninguém se interessou em debater o assunto na altura.

Cumprimentos,

B. Araújo”

[...] Reveja-se uma alargada reportagem que a TVI fez recentemente sobre o mesmo assunto, em que o referido presidente (engenheiro civil) profere declarações que a reportagem corrobora com a opinião de especialistas tão qualificados como “comerciantes da zona”, “reformados habitantes em sótãos degradados”, etc.[...]

Chega-se ao ponto de mostrar uma habitação horrivelmente desfigurada, onde o respectivo morador afirma que «desde que começaram as obras do Metro no Terreiro do Paço, o telhado do prédio deixa entrar mais água» !!! Ou a afirmação do repórter, alarmado pelo facto de os vestígios romanos existentes sob o edifício do BCP «já não estarem cobertos por água, sinal de as obras do Metro e da construção dos parques de estacionamento subterrâneo têm feito baixar o nível freático dos solos da Baixa»; e este tipo de afirmações é comum na boca de outras pessoas que deveriam ter algum cuidado com o que dizem; será que eles pensam que os romanos tinham construído os referidos edifícios DEBAIXO DE ÁGUA ? Ou que ignoram que a cota actual das ruas da Baixa foi alterada durante a construção pombalina, para cerca de 6 metros acima do seu nível anterior ? 6 metros é a altura a que o pavimento de um segundo andar fica relativamente ao solo !!!

[...] A baixa pombalina e a cidade medieval que a precedeu estão construídas sobre o leito de um antigo esteiro do rio Tejo semelhante aos do Montijo e do Seixal, ainda hoje existentes. Esse esteiro bifurcava no local do actual Rossio, seguindo um seu braço para a zona das Portas de Santo Antão e outro para a do Martim Moniz. Na praia aqui existente, acamparam os cruzados que colaboraram com D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa aos «mouros». Ainda hoje existe na toponímia local o vestígio da ribeira que aqui desaguava – o Regueirão dos Anjos. Ora, ao longo dos séculos, a cota dos terrenos da cidade foi subindo gradualmente, por acumulação de detritos sobre os terrenos naturais. Lembremo-nos que Lisboa foi assolada por diversos sismos arrasadores, e não apenas pelo de 1755. Na Idade Média não existiam bulldozers nem camionetas para a remoção dos entulhos produzidos por estes cataclismos. A solução era nivelar-se o terreno e reconstruir-se sobre os restos da cidade anterior.[...]

Os níveis freáticos originais sob a zona da actual Baixa estão directamente relacionados com a altura das marés do rio Tejo e são, por isso, algo variáveis. Se atendermos a que, partindo do Cais das Colunas, as ruas vão sempre subindo até passarmos as zonas dos Restauradores e da Rua da Palma, antigos limites montante dos antigos esteiros (e continuam subindo), facilmente se compreende que esses níveis freáticos seriam muito profundos relativamente às cotas dos actuais arruamentos.

Pretender-se que as actuais obras de construção em escavação estão a contribuir para a alteração desses níveis é uma afirmação, no mínimo, arriscada. Onde estão os registos das cotas atingidas pelos níveis freáticos nas diferentes épocas históricas ? No subsolo do Rossio existem os vestígios arqueológicos da hipódromo romano; no subsolo da Praça da Figueira, os do Hospital Real de Todos-os-Santos (seiscentista), ambos a cotas bastante profundas relativamente aos actuais pavimentos. Estas edificações históricas seriam subaquáticas ?

Quem alega riscos de degradação das edificações da Baixa Pombalina, consequente de obras correctamente projectadas e executadas com toda a tecnologia moderna, porventura já esteve na estação de metro em Picadilly ? Salvo o erro, entrecruzam-se aí seis linhas UMAS POR BAIXO DAS OUTRAS, algumas construídas ainda no século XIX ... Paris e Londres são dois bons exemplos de como não se passa nada de extraordinário quando se constróem linhas de metro, estacionamentos subterrâneos, passagens viárias desniveladas, etc. nas margens de um rio, ou mesmo por baixo deste !

Se as acções de lobbying por parte dos agentes económicos é uma realidade dos nossos tempos, já é mais lamentável que técnicos que deveriam ser responsáveis nas suas intervenções públicas, não resistam à tentação de se verem publicados em letras gordas, nem que para isso tenham que recorrer às mais malabarísticas manipulações da verdade científica. Assim, engenheiros civis e outros profissionais prestam-se a um triste espectáculo ao intervirem de forma desastrada sobre este assunto, esquecendo que ao técnico compete, antes mais, a honestidade intelectual e profissional.

Que a Baixa Pombalina está “a afundar-se” é uma verdade, mas é uma verdade metafórica.

Está “a afundar-se” no sentido sociológico, porque é cada vez mais uma zona de cidade deserta à noite, entregue à marginalidade. Está “a afundar-se” porque as suas edificações se estão a degradar, não por causa de obras que contribuem para a modernização da cidade, mas por falta de obras de conservação e reabilitação dos próprios edifícios. Telhados destruídos, fachadas permeáveis, redes de águas e esgotos com roturas, instalações eléctricas obsoletas, tubagens de gás com fugas, madeiras apodrecidas, janelas e sacadas que não vedam a água, dois séculos e meio de obras de alterações inadequadas e imprudentes, acrescentos de dois e três andares sobre a configuração inicial de R/C + 3, habitações transformadas em armazéns de toda a espécie de materiais de alto risco, enquadramento legal e fiscal obsoletos, etc., uma lista interminável e criminosa de patologias, acções e omissões que transformam a Baixa num barril de pólvora que não está pronto a explodir, porque já começou a explodir no incêndio do Chiado. Nem assim a mensagem foi compreendida.

Ao se desviar a atenção do público das verdadeiras razões do risco, focando-a em obras de engenharia em curso, que não sendo isentas dos seus riscos específicos, por isso mesmo são ferreamente monitorizadas e controladas, está-se a prestar um mau serviço à cidade. Mentes mal intencionadas poderiam até pensar que o que se pretende é desviar a atenção dos verdadeiros problemas destes edifícios antigos, por simpatia ou favorecimento para com os respectivos responsáveis. Contrariamente ao que o público geral pensa, a maioria dos “senhorios” ou proprietários incumpridores da suas estritas obrigações para com a conservação dos seus imóveis não é constituída por privados. Os degradados edifícios da Baixa pombalina e de outras zonas degradadas da cidade, habitados ou abandonados, são propriedade do Estado Português, da Câmara Municipal de Lisboa, da Santa Casa da Misericórdia, de Bancos e Seguradoras, e de outras entidades cuja capacidade económica excede substancialmente a dos comuns particulares. E esses problemas, referidos no parágrafo anterior, nada têm a ver com o Metro, com os parques subterrâneos, etc.

Não se pense que sou defensor da pertinência da execução de todas estas obras, embora o seja de algumas, nomeadamente de todas as que favoreçam a melhoria dos transportes públicos e a futilidade da utilização do transporte privado. O que sou é intransigentemente acusador de um Estado laxista que há cerca de um século vem cometendo o maior crime de lesa património de que tenho notícia.”

António de Borja Araújo, eng.º civil IST»


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