Baixa Pombalina

«A tarde está muito bonita. Ricardo Reis desceu ao Chiado, a Rua Nova do Almada, queria ver os barcos de perto, da beirinha do cais, e quando atravessava o Terreiro do Paço lembrou-se de que em todos estes meses nunca fora ao Martinho da Arcada, naquela vez parecera a Fernando Pessoa que seria imprudência desafiar a memória das paredes conhecidas, e depois não calhou, nenhum deles se lembrou mais, Ricardo Reis ainda tem desculpa, ausente tantos anos, o hábito de frequentar aquele café, se o chegou a ter, quebrara-se com a ausência. Também não irá lá hoje. Os barcos, vistos do meio da praça, pousados sobre a água luminosa, parecem aquelas miniaturas que os comerciantes de brinquedos põem nas montras, em cima de um espelho, a fingir de esquadra e porto de mar. E, de mais perto, da beirinha do cais, pouco se consegue ver, dos nomes nenhum, apenas os marinheiros que vão de um lado para o outro no tombadilho, irreais a esta distância, se falam não os ouvimos, e é segredo o que pensam.» [Saramago]

“Esta Lisboa mansa, neurasténica, por detrás dos vidros embaciados dos olhos molhados de saudade - todo o cais é uma saudade de pedra - é também a de Cesário, a de todos nós. Pela cidade deserta e húmida esvoaçam memórias, segredos, fantasias, mantos diáfanos que cobrem as vidas de todos nós. Um dia, como agora vemos deslizar pelo Cais das Colunas em certas horas violeta o vulto de Pessoa, veremos a descer uma travessa da Madragoa, a dobrar uma esquina de vento, o vulto de Saramago, um pouco curvado, alto, o passo estugado e seco. O homem está na sua ilha de luz, mas o escritor deixou por aqui pedaços de si, pedaços que regressam dentro dos livros, espalhados pelo meio das páginas.” [Clara Ferreira Alves, Expresso 17-10-98]

- Os leitores da “baixapombalina” terão dado conta que o último post era um post do dia das mentiras?
Obviamente que não; se calhar, até estranharam que a Baixa estivesse nas preocupações de Santana…

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